Segunda-feira, vida nova. Sylvia me acordou às quatro da manhã para irmos com Zé até Earl’s Court tentar conseguir trabalho na fábrica. Ninguém tinha dinheiro para café nem nada. Faz muito frio, os automóveis têm uma camada de gelo em cima. Compramos o ticket do metrô, essa hora é perigoso andar sem pagar, tem muita fiscalização. Eles passaram a roleta e me chamaram. Eu ia enfiar o ticket na máquina, mas foi então que percebi que não suportava mais. As pessoas me empurravam querendo passar, o trem chegou, Sylvia e Zé perguntavam do outro lado: “Você não vem? Você não vem?” Sem pensar, gritei: “Não, eu vou voltar para o Brasil”. Não planejei dizer aquilo, não planejei decidir nada. Quando vi, já tinha dito, já tinha decidido. No caminho de volta apanhei uma garrafa de leite numa porta. Um carro da polícia parou do lado. Meu passaporte está preso no Home Office, só tenho uma carta deles, toda rasgada. Quiseram saber mais, eu disse que era squatter ficaram excitadíssimos. Falei que era Brazilian e foi pior. O rato deu uma cuspida e rosnou: “Oh, Brazilian, South America? 1 know that kind o! people... “ Mandou que eu tirasse os tênis, as meias, me deixou completamente descalço no cimento gelado, me revistou inteiro. Fiquei puto e perguntei se ele não queria vir até aqui, disse que tínhamos montes de drogas, armas e bombas. Ligou um radinho, falou não sei com quem. Queria saber onde eu tinha comprado a garrafa de leite. Lembrei de um supermercado em Earl’s Court que fica aberto a noite toda, menti que tinha sido lá. Ele disse que àquela hora estava fechado. Garanti que não, sabia que não fecha nunca, no Natal costumávamos ir lá toda noite roubar macarrão. Ele pediu a nota de compra. Falei que tinha jogado fora.
A humilhação durou quase uma hora. Enfim me soltou e mandou que saísse do país: “0ff’ You’re not ekome here!”
A humilhação durou quase uma hora. Enfim me soltou e mandou que saísse do país: “0ff’ You’re not ekome here!”
Eu disse que estava justamente vindo pra casa escrever uma carta pedindo passagem de volta. Era verdade.
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Qual seu Infinito?