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5 de janeiro de 2011

A Aids é a minha cara: Anos Dourado

“Sou o mais velho de cinco irmãos, três homens e duas mulheres. Somos de Santiago do Boqueirão. Meu pai é militar reformado e minha mãe, quando nasci, era professora primária. Depois, foi professora de história, e mais tarde, graduou em filosofia. Minha mãe é uma tirana, uma gauchona. Recentemente foi ao médico porque sentia tonturas. Voltou e disse: “imagina que o médico afirma que eu tive um derrame e deveria estar paralisada do lado esquerdo. Imagina se eu vou ficar paralisada”. Ela fez 70 anos. Controla absolutamente tudo, os sons, os espaços. Já meu pai é muito quieto, reformou-se com 40 e poucos anos e nunca mais trabalhou. Quando ela viaja e ficamos só nos dois, instala-se um completo silêncio. É maravilhoso.

Comecei a escrever aos seis anos. Antes eu já contava histórias. Minhas tias contam que, na horas de dormir, elas iam contar histórias e eu invertia o jogo. Eu é que contava. Aprendi a ler muito cedo, filho e neto de professora, e saí escrevendo. Com 13 ou 14 anos, escrevi um romance que se chamava A Maldição dos Sant-Marie, que incluí em Ovelhas Negras, essa espécie de livro póstumo que lancei.

Cresci muito rápido, com 12 anos tinha mais de 1,80 metro. Via com horror meu corpo crescendo. Eu não queria ser adulto, achava uma besteira, dava muito trabalho. Continuei crescendo e a voz era a de um menino de 12 anos. Eu falava e as pessoas riam. Era ridículo, feio. Quando fui trabalhar na Veja, em São Paulo, com quase 20 anos, minha voz ainda era assim. Procurei um foniatra e ele disse que as cordas vocais provavelmente tinham ficado viciadas e eu tinha de fazer um tratamento caríssimo.

Em 1964, vim para Porto Alegre fazer o curso colegial no Instituto Porto Alegre, em cima do morro de Petrópolis. Era um internato masculino. Eu sempre fui meio selvagem, solitário, não gostava de falar, não tinha uma identidade com os rapazes da minha idade. Eles gostavam de futebol, eu queria ficar lendo. Não conseguia me relacionar bem. Os quartos eram para dois alunos mas, como não me dava bem com quem morava comigo, tinha o privilégio de ter um só para mim.

Minha primeira experiência homossexual aconteceu quando estava no IPA. Está num conto meu, O Sargento Garcia. Só que nessa primeira vez não aconteceu nada, fiquei aterrorizado, me pareceu muito sórdido. Num domingo à noite, fui seguido por um homem. Ele conversou e marcou encontro para três dias depois, no centro da cidade. Eu não sabia bem do que se tratava. Fui – sempre vou – morria de curiosidade. Ele me levou a um lugar horrível, muito feio, com lençóis sujos e um rolo de papel higiênico na cabeceira. Me jogou em cima da cama, completamente sem romantismo. Me fez segurar o pau dele e eu saí correndo. Tinha 16 anos. Sempre ficou na minha cabeça o desejo de que a primeira vez fosse uma coisa romântica.

Já a primeira experiência sexual com uma mulher ocorreu alguns anos depois. Fui estuprado em São Paulo, aos 19 anos. Ainda era virgem. Ocorreu no período em que fui trabalhar na Veja, por uma colega casada, bonita e atormentada, que hoje mora na Itália. Ficamos muito amigos. Num domingo chuvoso, tocou a campainha, abri a porta e era a Márcia, toda molhada. Não me deixou dizer nada. Me jogou na cama e me estuprou. Foi ótimo. Uma coisa que não entendo em amigos homossexuais é que nunca tiveram experiência com mulher. Se não têm parâmetros, como é que podem escolher?

Por esse tempo, fugindo de problemas com o DOPS, fui morar com a escritora Hilda Hilst, em sua fazenda de Campinas. Eu fiquei de secretário, ela escrevia e eu datilografava. Líamos muito, estudávamos astrologia, quiromancia, essas coisas. Aí aconteceu a história da figueira. Tinha uma figueira enorme na fazenda. A Hilda dizia: “Cainho, essa figueira é mágica. Quando a gente tem um problema muito grave, fala com ela e ela resolve”. Meu maior problema era a voz de menino. Uma noite, abracei a figueira e pedi para a voz mudar. Voltei para o quarto, peguei um livro de Fernando Pessoa que estava lendo e no terceiro verso a voz ficou assim, grave. Pedi com tal concentração e fé que, acho, eu mesmo me curei. A partir da mudança da voz fiquei mais seguro. Aí me assumi como adulto. Essa história é verdadeiríssima. A Hilda Hilst é testemunha.

Escrever era o que eu sabia, podia e devia fazer. Até hoje sou um tigre com minha mãe, meus irmãos. Não admito que se metam na minha intimidade em relação à escrita. A porta de meu quarto fica fechada. Odeio quando estou ali na escrivaninha, escrevendo, com uma idéia pela metade e vem um sobrinho bonitinho gritar no meu ouvido. Fico uma fera, sou capaz de matar. Sempre trabalhei em jornal ou revista, mas quando via que começava a prejudicar meu ofício, largava e caía fora. Pegava o FGTS e ia escrever. É uma coisa de determinação mesmo. Em um país como o Brasil, em que nada estimula a isso.

Eu fui seguindo meu instinto, as coisas que tinha vontade de fazer. Só isso. Não vejo nada de excepcional. Lembro de uma noite na fronteira gaúcha, em Itaqui, onde moravam meus avós. Falei para meu avô: “Um dia, quando eu for grande, vou morar na Suécia”. Devia ter uns nove anos e meu avô, que se chamava Aparício Medeiros, um nome bem gauchesco, morreu de rir. E não é que eu fui mesmo morar na Suécia? Desde criança, eu tinha certas intuições. Pelo lugar que nasci, pela minha formação, eu deveria ser advogado ou professor, e teria uma vida banal, com filhos, com a minha bissexualidade sob controle. Isso me parecia muito falso e não era o que eu queria. Paguei um preço alto? Era o meu destino, o que me foi reservado para fazer. Eu precisava cumprir assim. A minha vida sempre me pareceu perfeitamente lógica. Acho que tudo aconteceu do jeito que tinha que acontecer. Está tudo certo. Eu não atraiçoei nenhum dos meus impulsos”.
                             
                                Breve: A  Aids é a minha cara: Anos Rebeldes
                                                
                                           A    Aids é a minha cara: Anos de Chumbo

                          Depoimento a Fátima Torri - Revista Marie Claire  - Set 1995

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“Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja. Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar. Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente pra me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia. Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crêr que é para sempre quando eu digo convicto que nada é para sempre." (Gabriel García Márquez)

Definição

"Me mande mentalmente coisas boas. Estou tendo uns dias difíceis, mas nada, nada de grave. Dias escuros sem sorrisos, sem risadas de verdade. Dias tristes, vontade de fazer nada, só dormir. Dormir porque o mundo dos sonhos é melhor, porque meus desejos valem de algo, dormir porque não há tormentos enquanto sonho, e eu posso tornar tudo realidade. Quando acordo, vejo que meus sonhos não passam disso, sonhos; e é assim que cada dia começa: desejando que não tivesse começado, desejando viver no mundo dos sonhos, ou transformar meu mundo real num lugar que eu possa viver, não sobreviver."
(CFA)

Pausado

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"Tô feliz, to despreocupado, com a vida eu to de bem"

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"Mas como menina-teimosa que sou, ainda insisto em desentortar os caminhos. Em construir castelos sem pensar nos ventos. Em buscar verdades enquanto elas tentam fugir de mim. A manter meu buquê de sorrisos no rosto, sem perder a vontade de antes. Porque aprendi, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola. E lá vou eu, nas minhas tentativas, às vezes meio cegas, às vezes meio burras, tentar acertar os passos. Sem me preocupar se a próxima etapa será o tombo ou o voo. Eu sei que vou. Insisto na caminhada. O que não dá é pra ficar parado. Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola. E refaço. Colo. Pinto e bordo. Porque a força de dentro é maior. Maior que todo mal que existe no mundo. Maior que todos os ventos contrários. É maior porque é do bem. E nisso, sim, acredito até o fim.” (Caio Fernando Abreu)